Vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados

O que são vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados?

Quem disse que o vinho é sinónimo de bebida com álcool?

Esta é a pergunta à qual respondem os designados vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados.

Mas, apesar das palavras dizerem tudo (ou quase tudo), há que perceber o que são, como são produzidos e quais as diferenças no nariz e na boca por comparação aos vinhos ditos “tradicionais”, ou seja, com maior teor de álcool.

Vamos por partes.

Nos últimos anos, o mundo do vinho viu emergir uma tendência crescente: a procura por vinhos com teor alcoólico reduzido ou mesmo praticamente nulo.

Aqueles que apreciam vinho – sejam produtores, enólogos ou simples apaixonados pela bebida – começam a questionar se será possível criar um nicho e mercado para aqueles que procuram uma experiência com menos álcool.

E nós na WiseShape estamos sempre abertos a experimentar e a inovar.

Há, por isso, vários factores que têm impulsionado o sector na descoberta de novas formas de apreciar o vinho.

Entre elas estão:

  • Preferências do consumidor: A consciência crescente sobre saúde, bem-estar e moderação no consumo de álcool leva muitos a procurarem alternativas mais leves. Há quem queira saborear vinho num almoço, num fim-de-tarde ou simplesmente desfrutar do sabor sem os efeitos do álcool. Tal como com a cerveja, mais leve ou sem álcool;
  • Regulação e rotulagem: A União Europeia adaptou sua legislação para aceitar formalmente vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados. O Regulamento (UE) 2021/2117, que alterou o Regulamento 1308/2013, introduz esses novos produtos vitivinícolas, definindo sob que condições podem existir, como devem ser rotulados e quais os limites de teor alcoólico para cada categoria;
  • Mudanças climáticas e enológicas: O aquecimento global tem levado a maturações mais rápidas das uvas, o que resulta em mostos com maiores teores de açúcar e, consequentemente, vinhos naturalmente mais alcoólicos. Para manter algum equilíbrio, os produtores procuram estratégias para controlar ou reduzir esse álcool adquirido. E, porque não, explorar e testar novos mercados;
  • Inovação tecnológica: À medida que se desenvolvem técnicas mais precisas e menos destrutivas, torna-se mais viável produzir vinhos com redução de álcool sem comprometer demasiado as características sensoriais que estão na base original do conceito de vinho que sempre conhecemos;
Evolução do interesse nos vinhos desalcoolizados e parcialmente desalcoolizados ao longo do tempo.

O Que Dizem as Regras?

O vinho é um dos produtos mais regulados, quer a nível nacional, quer a nível comunitário.

Eis algumas regras estabelecidas para os vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados que é possível encontrar em documentos da Comissão Europeia e do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) de Portugal:

  • Um vinho pode ser denominado desalcoolizado se o seu teor alcoólico “volúmico adquirido” não for superior a 0,5%;
  • Se for superior a 0,5% mas inferior ao mínimo exigido para o vinho da categoria antes da desalcoolização, chama-se parcialmente desalcoolizado;
  • Para vinhos com Denominação de Origem Protegida (DO) ou Indicação Geográfica Protegida (IG), não é permitida a desalcoolização total – apenas a parcial. Para que tal seja reconhecido dentro da DO/IG, é necessário que o caderno de especificações da própria DO/IG autorize essa versão parcialmente desalcoolizada do vinho;
  • Se o vinho submetido a desalcoolização parcial tiver teor alcoólico inferior a 10%, deve constar no rótulo a indicação da data de durabilidade mínima;

Como se Desalcooliza um Vinho: Técnicas e Métodos

Eliminar ou reduzir o álcool de um vinho não é tão simples “ferver” o líquido, como se de uma simples evaporação se tratasse.

Há muitos compostos sensíveis que se perdem e muitos aromas voláteis que se alteram facilmente.

Eis as principais técnicas, e os desafios associados:

1. Destilação sob vácuo

O vinho é aquecido sob pressão reduzida, de modo a que o etanol evapore a temperaturas mais baixas do que em condições normais. Assim evita-se que o calor degrade compostos aromáticos sensíveis (ésteres, terpenos, etc.).

  • Vantagens: Permite uma remoção relativamente significativa de álcool, relativamente bem controlada. Menos “cozimento” do que em destilações tradicionais;
  • Desvantagens: Ainda haverá perdas de aromas, sobretudo os mais voláteis; impacto no corpo e estrutura do vinho; equipamento especializado exigido;

2. Colunas de cones rotativos ou Spinning Cone Column (SCC)

O vinho flui por filmes finos sobre cones, há extracção de vapores, recuperação de aromas, etc. Pode-se extrair o álcool e ao mesmo tempo recombinar fracções aromáticas.

  • Vantagens: Boa capacidade de preservar aromas; técnica bastante usada onde se pretende equilíbrio entre redução de álcool e qualidade aromática;
  • Desvantagens: Complexidade técnica; custo elevado; risco de remoções excessivas de aromas ou outras moléculas desejadas se não bem calibrado.

3. Técnicas membranares: osmose inversa, nanofiltração, etc.

Utilizam membranas que separam o etanol (e alguma água) das outras moléculas com base em tamanho molecular, pressão ou gradientes de concentração. O vinho pode ser “filtrado” para remover parte do álcool, depois pode haver reintrodução de componentes ou ajustes de volume.

  • Vantagens: Relativamente eficientes para pequenas reduções alcoólicas; menor impacto térmico; permitem intervenções graduais; bom controlo;
  • Desvantagens: Quanto maior for a redução de álcool, maior o risco de perdas de aroma; desequilíbrios em acidez, corpo, taninos; dispositivos de membrana precisam de manutenção; custo idem;

4. Extracção com CO2 supercrítico

Usa dióxido de carbono sob condições críticas para arrastar o etanol ou extrair o álcool; pode operar a temperaturas moderadas.

  • Vantagens: Pode ser bastante selectiva; menor impacto térmico; possibilidade de preservar bastante a integridade química do vinho;
  • Desvantagens: Equipamento caro; operação exigente; quando se aproxima de reduções altas, diminui eficiência; pode haver perdas não triviais de compostos aromáticos;

A verdade é que não há métodos e técnicas perfeitos para a desalcoolização do vinho. Contudo, a experimentação e a verificação do que melhor se adapta a uma casta e/ou terroir podem resultar em surpresas bem agradáveis.

Vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados
Vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados têm características diferentes, não necessariamente piores do que os vinhos tradicionais.

O Que Muda no Nariz e na Boca: os Efeitos Sensoriais

Vamos ser francos: diminuir ou remover o álcool altera o vinho.

Isto acontece não só pelo álcool em si, mas pelo que este afecta: aroma, corpo, sensação táctil, percepção de frio, de calor, de doçura, acidez, taninos, etc.

Mas vamos tentar dividir este impacto por algumas variáveis críticas:

Aroma

O álcool ajuda a extrair e a volatilizar compostos aromáticos, especialmente aqueles menos voláteis sob condições normais.

Com álcool diminuído, há menos “força” para levar aromas do vinho ao nariz.

Aromas frescos, frutados, florais tendem a ficar menos intensos. Algumas notas que dependem da interacção álcool-éster podem alterar-se.

Nariz mais limpo, menor “calor” alcoólico

Em vinhos parcialmente ou totalmente desalcoolizados, a sensação de “álcool quente” ou “ardente” no nariz ou no final é reduzidíssima ou mesmo ausente.

Assim sendo, o vinho pode apresentar-se mais suave nesse aspecto, mas também menos “expressivo”, no sentido clássico.

Boca / corpo / textura

O álcool contribui para o corpo do vinho, para uma certa viscosidade ou sensação de peso em boca.

Sem ele, o vinho pode parecer mais aguado, com menor plenitude.

Podem aumentar as percepções de acidez ou adstringência, já que o álcool muitas vezes “amortece” essas sensações.

Em tintos, os taninos podem parecer mais duros ou menos integrados.

Equilíbrio geral

A doçura residual (se houver), o açúcar, a acidez, a carga aromática e inclusivamente a mineralidade assumem maior relevo quando o álcool está reduzido, tanto para bom como para mau.

Um bom vinho desalcoolizado ou parcialmente desalcoolizado é aquele em que esses outros elementos compensam ou equilibram a perda do álcool.

Efeitos no final de boca e no envelhecimento

Vinhos com pouco ou nenhum álcool têm menor poder conservante – o álcool ajuda a estabilidade – e envelhecem de outro modo.

Os aromas terciários ou de evolução podem não se desenvolver da mesma forma ou com a mesma persistência.

De qualquer das formas, experimentar não custa.

Os vinhos desalcoolizados ou parcialmente desalcoolizados representam uma resposta contemporânea a desejos e exigências novas, tanto de mercado como de regulação.

Eles permitem “beber de forma diferente,” mantendo vínculos com a tradição, a uva, o terroir, mas adaptando-se às sensibilidades actuais.

Não são, em conclusão, nem inferiores nem superiores aos vinhos tradicionais: são apenas outra forma de os degustar.

E, sim, podem e devem fermentar e estagiar em cubas de betão da WiseShape.

Bibliografia:

Instituto do Vinho e da Vinha (IVV)\
Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Comissão Europeia
Vida Rural
Infowine